Corporeidades em minidesfile Obs. [2ª edição corrigida] Luiz B. L. Orlandi

Resumo: Sem a pretensão de orientar pesquisadores já acostumados com o assunto, o aqui exposto é apenas um plano de pré-ordenação de algumas linhas de sondagem da complexidade do corpo. Volto a dizer que se trata de um planinho para gasto próprio, mas com a esperança, é claro, de que ele seja de alguma utilidade a quem se inicia nos estudos ligados a essas indagações. Alertas: A) o possível leitor encontrará abaixo o resultado de lambidas de textos e não de exaustivas pesquisas, o que o torna de antemão responsável pela melhoria da coisa. B) o plano é montado a partir de uma escolha prévia, isto é, a partir de uma opinião, de um acho: acho que as obras de Gilles Deleuze (1925-1995) e de Félix Guattari (1930-1992) são portadoras de uma radicalidade e de uma consistência que me autorizam, por razões práticas e teóricas, a privilegiar nesta apresentação as linhas que se iniciam no item III.

I. Corpo como estrito objeto de ciência, seja como coisa física ou algo orgânico.
Estudado em sua composição, nas suas relações internas e externas, na sua dinâmica funcional, a idéia que se tem desse corpo é a da sua imersão num conjunto de funções. Nesta linha, perguntar pelo corpo é tentar conhecê-lo pelas funções que ele implica ou que o implicam. Há inúmeras maneiras de fazer isso: donde a multiplicidade de micro-linhas de ciência. É claro que os filósofos deram palpites que podemos juntar a essa grande linha de indagação. Quando Aristóteles, por exemplo, (Física, III, 5, 204 b 20), define o corpo como aquilo “que tem extensão em toda direção”, ou seja, que é extenso em altura, largura e profundidade, ele está criando um conceito filosófico de corpo compatível com essa linha de indagação em que as ciências, variando enfoques, métodos etc., se mostrarão extremamente competentes. Surgiram outros conceitos filosóficos de corpo compatíveis com a complexidade crescente dessa linha, conceitos que por vezes se parecem com esse de Aristóteles (caso da noção de corpo apresentada por Descartes em Princípios, II, 4: corpo como “substância extensa em comprimento, largura e profundidade”) ou que dele se distinguem, como o de Leibniz, ao qual é geralmente atribuída a reorientação mais interessante dessa linha de indagação mais estritamente científica, pois sua noção de corpo implica a de ação, seja porque um corpo age sobre outro, seja porque sofre a ação de outros corpos. Esse entrelaçamento entre agir e sofrer ação (aliás, não ausente da definição aristotélica de potência – Met. V, 12, 1019 a 15, por exemplo) implica, por sua vez, uma idéia de força, graças a qual Leibniz renovou a idéia de substância, criando a noção de mônada. Força, para ele, é a substância, mas apreendida do ponto de vista de fora, ao passo que, do ponto de vista de dentro, a substância é alma. É por isso que, rigorosamente, a força consiste em tendência e apetição. (Aprendi essas coisas em anotações feitas por Émile Boutroux numa edição de 1880 da Monadologia, de Leibniz). No mesmo século XVII, a física newtoniana leva a noção de corpo para perto da noção de massa. Se esta última, para além da quantidade de matéria, for pensada como relação entre força e aceleração, tem-se uma espécie de aliança possível com o conceito leibniziano de corpo como capacidade de agir e de sofrer ação. Segundo os entendidos, a física de finais do século XIX acabou levando a idéia de corpo para perto de uma idéia de campo tal que o próprio corpo passou a ser pensado (por Einstein-Infeld, em sua “Evolução da física”, por exemplo) como determinada “intensidade do campo”, coisa essa que deveríamos estudar, penso eu, não para imitar, mas para ver como isso ressoaria na idéia deleuzeana-guattariana de corpo sem órgãos, esse estranho corpo eminentemente intensivo, como será indicado na última linha deste minidesfile.
II.1. Uma segunda grande linha de indagação, tão antiga quanto a primeira, relaciona-se mais diretamente a conceitos filosóficos que fazem do corpo um instrumento da alma.
Considerado como instrumento da alma, o corpo foi visto de duas maneiras extremas. Para alguns, o corpo foi tido como algo que atrapalha o acesso da alma ao seu mais importante mundo, o da verdade; neste caso, o corpo chegou mesmo a ser pensado como prisão ou túmulo da alma. Platão escreveu frases fortes nessa linha, como esta: “durante todo o tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é, como dizíamos, a verdade. Não somente mil e uma confusões nos são efetivamente suscitadas pelo corpo quando clamam as necessidades da vida, mas ainda somos acometidos pelas doenças – e eis-nos às voltas com novos entraves em nossa caça ao verdadeiro real. O corpo de tal modo nos inunda de amores, paixões, temores, imaginações de toda sorte, enfim, uma infinidade de bagatelas – que por seu intermédio … não recebemos na verdade nenhum pensamento sensato” (Fedon, 66).
Menos radical que Platão, nem por isso Aristóteles deixa de submeter o corpo a comparações que dele fazem um instrumento. Por exemplo, o machado está para o corpo assim como a essência cortante do machado está para a essência formal do corpo, que é justamente a alma, de modo que um machado sem corte não é verdadeiramente machado, assim como um corpo sem sua essência anímica está incompleto. Embora Aristóteles saiba que machado e corpo orgânico não estejam no mesmo nível (visto que o corpo, diz ele, “tem em si mesmo um princípio de movimento e de repouso”), a fundamentalidade da alma é o que nele vigora, assim como a visão é aquilo que faz do olho um verdadeiro olho e não uma simulação, como a do “olho de pedra ou do olho desenhado”. E mais: o corpo que possui alma é que detém a “capacidade de viver”. Em termos aristotélicos mais precisos, diz-se que “a alma é a enteléquia primeira de um corpo natural organizado”, enteléquia entendida como sendo o “sentido fundamental” do ser de que ela é enteléquia, o que significa afirmá-la como essência formal, como completa atualização daquilo de que ela é enteléquia. Quando se rastreia o conceito de enteléquia, chega-se à noção de forma ou razão determinante de um ser (Aristóteles, De anima, II, 1, 412b 5-30).

II.2. Restaura-se a posição instrumental do corpo no problema moderno da relação corpo-alma.
É geralmente afirmado que a concepção que faz do corpo um instrumento de alma foi abandonada graças ao dualismo que Descartes estabeleceu ao pensar corpo e alma como substâncias diferentes, uma extensa, outra pensante. Mas é possível duvidar disso. Vejamos porque. Com o dualismo substancialista cria-se o problema da relação entre corpo e alma, problema de certo modo ocultado ou não agravado pela anterior instrumentalização do corpo, já que, então, a supremacia da alma estava assegurada, seja à maneira platônica, seja à maneira aristotélica, como assinalei. Como pensar a união entre corpo e alma (entre corpo e mente) agora separados como duas substâncias distintas? Descartes sabe que o eu penso está presente ao meu corpo. Ele diz: “E, não era também sem razão que julgasse pertencer-me, mais do que todas as outras coisas, aquele corpo que, por um direito especial, chamava meu: pois, ao contrário dos outros, não podia dele me separar; sentia nele e por ele todos os apetites e afectos e, finalmente, era em suas partes, e não nas partes dos outros corpos situados fora dele, que sentia a dor e a cócega do prazer” (Meditações, 6ª, § 11, tr. Fausto Castilho, Campinas, ed. Cemodecon, pp. 157-159). Merleau-Ponty valoriza esta passagem, vendo nela a idéia da “experiência do meu corpo como ‘meu’” (La structure du comportement, p. 212). Pois bem, o importante em nosso minidesfile é que essa idéia de Descartes implica uma crítica ao modo como Aristóteles via o comando da alma sobre o corpo, comando análogo ao do marinheiro sobre seu navio. Opondo-se a essa metáfora, Descartes diz: “A natureza também me ensina por essas sensações de dor, fome, sede etc., que não estou presente a meu corpo como o marinheiro ao navio. Estou a ele ligado de modo muito estreito e como que misturado com ele, a ponto de com ele compor uma só coisa” (Méd., 6ª, § 24). É essa “mistura de fato” que livra Descartes da relação instrumental posta por Aristóteles, embora isso também ameace seu próprio “dualismo de direito”, isto é, sua distinção corpo/alma como sendo o de duas substâncias (Nota 174 de G. Lebrun à tr. br. de J. Guinsburg e B. Prado Jr de Meditações in Descartes, Obras escolhidas, SP, DEL, 1962, p.189). Além do mais, é esse dualismo de direito que acaba predominando e até mesmo repondo em novas bases a instrumentalização do corpo. Por que? Porque o espírito (alma ou mente), rigorosamente falando do ponto de vista de Descartes, não cresce e nem se enfraquece com o corpo, pois, “enquanto unido a este, o espírito dele se serve como de um instrumento”, não mais como um piloto em seu navio, é certo, mas como um “artesão” capaz de operar suas ferramentas (Descartes, Réponses aux Cinquièmes Objections). Vale dizer que o corpo não torna o espírito mais ou menos perfeito do que este é em si. É que o fato de um artesão trabalhar menos bem quando se serve de um mau instrumento não autoriza a inferência de que ele tira sua destreza e arte da excelência de um instrumento. O que aí se afirma, abusivamente, sem dúvida, é a perfeição do espírito em si, perfeição tanto maior ou mais poderosa quanto mais capaz o espírito for de colocar as forças do corpo biológico, as próprias paixões, a serviço da razão, da moralidade e também de certa alegria. Com efeito, falando das paixões, diz Descartes: “a maior utilidade da sabedoria reside em ensinar-nos a dominar nossas paixões e a controlá-las com tanta habilidade que os males que possam causar sejam bem toleráveis, podendo-se deles retirar até mesmo a alegria” (Descartes, As paixões da alma, art. 212; usei neste ponto a tr. br. de Helena Martins do Dicionário Descartes de John Cottingham, RJ, Zahar, 1995, p. 133).

III. Uma terceira grande linha de indagação é aquela que encontra o corpo como questão que se impõe às variações de todo e qualquer modo de pensar.
Em vez de considerar Descartes como o ponto de partida moderno para uma variedade de soluções relativas ao problema das relações entre alma e corpo, essa terceira linha leva seriamente em conta a ignorância em que a alma se encontra relativamente aos poderes do corpo. Ciências, artes e filosofias participam de várias maneiras desse complexo questionamento, que não se inicia apenas após Descartes, mas que já aparece entre os estóicos, já está em Lucrécio e outros. Leibniz mostra o quanto um ponto de vista não se define a partir da posição privilegiada de um sujeito, mas é, isto sim, uma complexa interseção entre o que ele percebe clara e distintamente e a porção de mundo que ele só apreende confusa e obscuramente. É com Espinosa que se tem a plena consciência filosófica do corpo como questão que se impõe. Em sua Ética (III, 2, escólio), diz ele: “até o presente, ninguém determinou o que pode um corpo, porque não conheceu a estrutura do corpo”. Perguntar pela estrutura de um corpo, isto é, pelo seu modo de ser fábrica, ou seja, pela “composição de sua relação”, e perguntar por aquilo que ele pode, isto é, pela “natureza e limites do seu poder de ser afetado”, são perguntas que se equivalem, diz Deleuze em sua leitura de Espinosa, pois um modo “deixa de existir quando já não pode manter entre suas partes a relação que o caracteriza”, assim como “deixa de existir quando ‘ele já não está apto a poder ser afetado de um grande número de maneiras’”, conforme Ética, IV, 39, demonstração (Deleuze, Spinoza et le problème de l’expression, Paris, Minuit, 1968, p. 197-198).
Podemos dizer que essa colocação de Espinosa produz um grande susto na prepotência das almas, susto que repercute variadamente em Hume (afinal devemos a Hume a crítica radical da metafísica da substância), no idealismo alemão, em Schopenhauer, em Bergson etc.
Um susto comparável a esse é tornado ainda mais dramático com a interferência de Nietzsche no final do século XIX, com o que se reabrem novas linhas de indagação nessa perspectiva. Depois do susto que nos vem de Espinosa, eis um texto de Nietzsche suficientemente forte para estancar ou reverter as veleidades de uma alma em seu delírio paranóico de instrumentalizar o corpo. Permitam-me a longa citação:

“Quero dizer a minha palavra aos desprezadores do corpo. Não devem, a meu ver, mudar o que aprenderam ou ensinaram, mas, apenas, dizer adeus ao seu corpo – e, destarte, emudecer.
‘Eu não sou corpo e alma’ – assim fala a criança. E por que não se deveria falar como as crianças?
Mas o homem já desperto, o sabedor, diz: ‘Eu sou todo corpo e nada além disso; e alma é somente uma palavra para alguma coisa do corpo’.
O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.
Instrumento de teu corpo é, também, a tua pequena razão, meu irmão, à qual chamas ‘espírito’, pequeno instrumento e brinquedo da tua grande razão.
‘Eu’, dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior, no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu.
Aquilo que os sentidos experimentam, aquilo que o espírito conhece, nunca tem seu fim em si mesmo. Mas sentidos e espíritos desejariam persuadir-te de que são eles o fim de todas as coisas: tamanha é sua vaidade.
Instrumentos e brinquedos, são os sentidos e o espírito; atrás deles acha-se, ainda, o ser próprio. O ser próprio procura também com os olhos dos sentidos, escuta também com os ouvidos do espírito.
E sempre o ser próprio escuta e procura: compara, subjuga, conquista, destrói. Domina e é, também, o dominador do eu.
Atrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, acha-se um soberano poderoso, um sábio desconhecido – e chama-se o ser próprio. Mora no teu corpo, é o teu corpo.
Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria. E por que o teu corpo, então, precisaria logo da tua melhor sabedoria?
O teu ser próprio ri-se do teu eu e de seus altivos pulos. ‘Que são, para mim, esses pulos e vôos do pensamento?’, diz de si para si. ‘Um simples rodeio para chegar aos meus fins. Eu sou as andadeiras do eu e o insuflador dos seus conceitos’.
O ser próprio diz ao eu: ‘Agora, sente dor!’ E , então, o eu sofre e reflete em como poderá não sofrer mais – e, para isto, justamente, deve pensar.
O ser próprio diz ao eu: ‘Agora, sente prazer!’ E, então, o eu se regozija e reflete em como poderá ainda regozijar-se muitas vezes – e para isto, justamente, deve pensar.
Quero dizer uma palavra aos desprezadores do corpo. Que desprezem decorre de que prezam. Mas quem criou o apreço e o desprezo e o valor e a vontade?
O ser próprio criador criou para si o apreço e o desprezo, criou para si o prazer e a dor. O corpo criador criou o espírito como mão da sua vontade.
Mesmo em vossa estultícia e desprezo, ó desprezadores do corpo, estais servindo o vosso ser próprio. Eu vos digo: é justamente o vosso ser próprio que quer morrer e que volta as costas à vida.
Não consegue mais o que quer acima de tudo: — criar para além de si. Isto ele quer acima de tudo; é o seu férvido anseio.
Mas achou que, agora, era tarde demais para isso; — e, assim, o vosso ser próprio quer perecer, ó desprezadores da vida.
Perecer, quer o vosso ser próprio, e por isso vos tornastes desprezadores do corpo! Porque não conseguis mais criar para além de vós.
E, por isso, agora, vos assanhais contra a vida e a terra. Há uma inconsciente inveja no vesgo olhar do vosso desprezo.
Não sigo o vosso caminho, ó desprezadores da vida! Não sois, para mim, ponte que leve ao super-homem! –
Assim falou Zaratustra.”
Nietzsche, Assim falou Zaratustra – Os desprezadores do corpo, tr. br. de Mario da Silva, RJ, Civil. Brasileira, pp. 59-61)

Advindo o corpo como questão que se impõe ao pensamento, nossa contemporaneidade envolve-se com pelo menos mais três linhas filosóficas de indagação, firmando-se em cada uma delas uma maneira distinta de corresponder a esse advento.

IV. Lembrete a respeito da experiência fenomenológica do corpo próprio.
A abertura explícita dessa importante linha de indagação é geralmente ligada a Edmund Husserl, valorizando-se a experiência vivida sob o lema da intencionalidade, segundo o qual “a consciência é consciência de algo”. Isso pode ser notado na passagem em que ele retoma o momento da meditação cartesiana do corpo como “meu”. Considerando a “esfera do que me pertence”, diz ele, “eu encontro o meu próprio corpo, que não é somente um corpo, mas o meu corpo”, isto é, “o único de que disponho de forma imediata como disponho dos seus órgãos” (Meditações cartesianas, § 44). O corpo como lugar complexo do meu estar no mundo ou do meu combate com o mundo é o que se firma nessa linha de interrogação, frutificando-se aí micro-linhas de pesquisa que incluem, por exemplo, concepções, como as difundidas pela Gestalt (onde encontramos teóricos como Wertheimer, Köhler, Koffka, Lewin, Goldstein, Guillaume e outros), segundo as quais o todo é mais do que a soma das partes, de modo que a apreensão do corpo implica a apreensão da complexidade do seu comportamento. Essa mesma linha, respeitadas as diferenças que singularizam os autores, pode passar por textos de Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty etc. Eis uma frase de Sartre exemplar a esse respeito: “Ele [meu corpo] de modo algum é uma adição contingente a minha alma, mas, ao contrário, uma estrutura permanente do meu ser e a condição permanente de possibilidade de minha consciência como consciência do mundo e como projeto transcendente em direção ao meu futuro”; embora haja absoluta contingência no fato de eu ser brasileiro e professor, é, no entanto, absolutamente “necessário” que eu seja “isso ou outra coisa”, dado que “eu não posso sobrevoar o mundo sem que o mundo se desvaneça” (L’Être et le néant, Paris, Gallimard, 1943, p. 392). E mais: explorando a idéia exposta por Heidegger em Ser e tempo, segundo a qual a “realidade humana” se caracteriza como “o ser no mundo”, e fazendo-o no sentido de que “meu vínculo com outrem é, primeiro e fundamentalmente, uma relação de ser a ser, e não de conhecimento a conhecimento”, Sartre lê diretamente o “Mit-Sein” heideggeriano justamente como “o ser-com”, de modo que “a característica de ser da realidade humana é a de que ela é seu ser com os outros”. Assim, entre um extremo hegeliano (para o qual minha “estrutura essencial” me viria “de fora e de um ponto de vista totalitário”) e de um extremo cartesiano (onde imperaria a “descoberta da consciência por si mesma”), Sartre usa o Mit-Sein (não sem antes se livrar da “maneira brusca e um pouco bárbara” pela qual Heidegger conceitua essas dificuldades) para firmar que “é explicitando a compreensão pre-ontológica que tenho de mim mesmo, que apreendo o ser-com-outrem como uma característica essencial de meu ser” (L’Être et le néant, pp. 300, 301).
Diferentemente encaminhada e estruturada, encontramos esse mesmo ar de família filosófica em Merleau-Ponty. Já em sua primeira obra, trata-se de evitar antinomias clássicas entre idealismo e realismo, explorando a noção de comportamento com recursos mais sutis do que os propiciados por certa “indigência filosófica” ao comportamentismo de Watson, de modo que se pudesse compreender melhor a “visão do homem como debate e ‘explicação’ perpétua com um mundo físico e com um mundo social” (Merleau-Ponty, La structure du comportement, Paris, PUF, 1942, p. 3). Merleau-Ponty relativiza as noções de alma e de corpo, de tal modo que um corpo em certo grau seria alma para outro corpo precedente: “Há o corpo como massa de compostos químicos em interações, o corpo como dialética do vivente e do seu meio biológico, o corpo como dialética do sujeito social e do seu grupo, e mesmo todos os nossos hábitos são um corpo impalpável para o eu de cada instante. Cada um desses graus é alma com respeito ao precedente, corpo com respeito ao seguinte. O corpo em geral é um conjunto de caminhos já traçados, de poderes já constituídos, o solo dialético já adquirido sobre o qual se opera uma formação superior, e a alma é o sentido que se estabelece então” (p. 227). Em cada uma dessas conexões, mesmo considerando que não é de “substâncias” a “dualidade que aí sempre reaparece num nível ou noutro”, trata-se de levar em conta a cada vez, diz Merleau-Ponty, “a operação originária que instala um sentido num fragmento de matéria, fazendo-o habitar aí, aparecer, ser” (p. 226). Ora, essa operação originária tem algo a ver com a idéia de corpo próprio, pois este implica a reflexividade de um sentir que sente a si próprio; é o que posso comprovar quando, levando minhas mãos a se acariciarem uma à outra, percebo que elas, sem que meu cogito as comande, se revezam de tal modo que a mão que sente é logo a mão sentida e a mão sentida é logo a mão que sente, e assim por diante. Esse desvio diferencial vivido pelo próprio corpo sensível entre sentir e ser sentido instala uma reflexividade, um sentido anterior à sua expressa tematização pela consciência intelectual. Isso reforça em Merleau-Ponty a idéia de percepção como “o ato que nos faz conhecer existências”, o ato pelo qual tenho acesso ao que ele chama de “estrutura”, isto é, a “região” que fica “abaixo” de “palavras” e de “ações”, região em que “elas se preparam”, região que é o próprio “comportamento”, isso que “exprime uma certa maneira de existir antes de significar uma certa maneira de pensar” (p.239). O segundo livro de Merleau-Ponty, a Fenomenologia da percepção, compõe uma vasta argumentação tendente a mostrar o quanto esse reflexividade do corpo próprio impede que o tomemos como mero objeto. A primeira parte desse livro é toda ela dedicada ao corpo (La phénoménologie de la perception, Paris, Gallimard, 1945, pp. 79-232). Ela tem início justamente com a análise do que é ver um objeto, ver que já implica “perspectiva”, isto é, uma “estrutura objeto-horizonte” tal que “ver é entrar num universo de seres que se mostram, e eles não se mostrariam se não pudessem ser ocultados uns atrás dos outros ou atrás de mim”, atrás do meu corpo. Em outras palavras, “olhar um objeto é vir habitá-lo e, daí, apreender todas as coisas segundo a face que elas voltam para ele” (p. 82). E no caso do meu corpo, não estou simplesmente diante dele, pois “estou em meu corpo, ou melhor, sou meu corpo” (p. 175). E mais: “não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas sobretudo à obra de arte”, pois em ambos o que se encontra é “modulação de existência”, um “nó de significações vivas” (pp. 176, 177). Pela análise da “espacialidade” e da “unidade” corpóreas e, mais ainda, através de suas considerações relativas à “palavra e à expressão”, Merleau-Ponty quer ressaltar a “natureza enigmática do corpo próprio”. Qual é esse enigma? É aquele pelo qual o corpo “não está onde está”, pelo qual ele “não é o que é”. O corpo sai de si, isto é, vira corpo próprio, porque não se atém a uma composição natural que seria aquela de partes exteriores umas às outras e simplesmente reunidas por relações causais. Mas por que o corpo dá esse salto? Que acontece nele e que dele faz um corpo próprio? Acontece um “sentido”, diz Merleau-Ponty. No último dos seus escritos, Visível e invisível, o sentido emerge entre as coisas, no intervalo, nos desvios (por isso alguém escreveu um livrinho a respeito dele denominado A voz do intervalo), mas nessa passagem da Fenomenologia da percepção ele nos diz que “vemos o corpo secretar um ‘sentido’ que não lhe vem de lugar algum”; e diz, ainda, que o vemos “projetar esse sentido num círculo material e comunicá-lo aos outros sujeitos encarnados”. Trata-se, para ele, de “sentido imanente ou nascente no corpo vivo”. É “advertido” por essa “experiência do corpo próprio”, diz ele, que nosso olhar “reencontrará em todos os outros ‘objetos’” (que, por isso, também vivem fora de si, sendo sempre algo mais que meros objetos), “o milagre da expressão” (p. 230). Portanto, em suas duas primeiras obras, Merleau-Ponty está arrumando nesse jogo entre corpo—corpo próprio o lugar privilegiado da “operação originária” já referida em A estrutura do comportamento (ver acima), a operação que instala um sentido num fragmento de matéria, fazendo-o habitar aí, aparecer, ser”.
Sem pretender criticar a pluralidade dos fenomenólogos num mero lembrete, é impossível, entretanto, não anotar que nossas leituras, por mais limitadas que tenham sido, sentiram e sentem a necessidade de uma pergunta que a linha fenomenológica parece ter deixado sem uma suficiente retomada: a retenção do corpo próprio no eixo intencional não acaba inibindo a tematização daquilo que é constitutivo dos estados vividos, mas que estes mascaram em atualizações subjetivas ou intersubjetivas? A fundamental contribuição de Gilbert Simondon para o desenvolvimento do problema da individuação inspiraria uma tal retomada, contanto que a própria individuação passasse a ser pensada como heterogênese e não como dependente de um mínimo de semelhança entre as séries de partida. O que os estados vividos pressupõem, que eles mascaram, mas que a eles não se reduzem, são fluxos intensivos, são transrelações entre intensidades. Mas isto é assunto para o último segmento deste minidesfile. Neste sentido, as decisivas contribuições de Gilbert Simondon poderiam ser agrupadas como um dos módulos da linha VI.

V. A propósito do corpo procurando saídas em meio a saberes e poderes.
Principalmente nos escritos de Michel Foucault, também herdeiro do susto apontado no item III, ganha força uma nova grande linha de indagação a respeito do corpo. Em vez de preocupar-se com as forças próprias do corpo, isto é, com aquilo que o corpo é, trata-se, do ponto de vista de uma ontologia foucauldiana do presente, de corresponder a uma outra pergunta: de que corpo necessita determinada configuração espaço-temporal de saberes e poderes? Em outras palavras, trata-se de perguntar pelas práticas discursivas e não discursivas investidas sobre os corpos e que os arrastam para uma série de problemas. Por exemplo, o problema da produção do chamado “corpo dócil”, ou seja, a produção de “um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” [Foucault, Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Trad. br. de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 120].
. É nesse sentido que se pode dizer que Foucault ajuda a subverter a ontologia clássica, pois, em vez da primazia do verbo ser, uma pluralidade de outros verbos se impõe através da pergunta por essas práticas; assim, uma outra ontologia vem à tona, uma ontologia histórica de nós mesmos, que se interessa pelas condições concretas que nos constituem. Donde a pergunta igualmente crítica e autocrítica: sendo nossa interioridade, ou melhor, nosso dentro, um complexo de dobras e redobras do fora, que estamos ajudando a fazer de nós mesmos em meio às redes de saberes e poderes que ao mesmo tempo nos constituem? Como se nota, não se trata apenas de constatar uma heteroconstituição de nós mesmos, mas de sondar e viabilizar resistências e saídas no próprio campo dos condicionantes, das múltiplas conexões que nos enredam. Como o corpo é capturado em redes de saberes e poderes, como ele é enredado nos jogos das forças, trata-se de sondar a complexidade aí embutida. Diz Foucault: “não há relação de poder sem constituição correlativa de um campo de saber, nem de saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder” (Surveiller et punir, Paris, Gallimard, 1975, p. 32). Em que consistem os termos postos aí em correlação? Como se dá precisamente essa correlação? Resumindo uma resposta, digamos que as formas são entrelaçamentos da luz e do dizer, do visível e do enunciável. O saber vai de visível a enunciável e de enunciável a visível. Mas é preciso estar atento à heterogeneidade dessas duas linhas de exercício do saber. Elas não comportam, na perspectiva foucauldiana, uma “forma comum totalizante”, uma “conformidade” ou uma “correspondência biunívoca”. Pois bem, o que se passa por essas passagens internas ao saber são justamente as relações que constituem a noção foucauldiana de poder, aquelas relações que já apareciam em Nietzsche como “relações de forças”, relações plurais que são a gênese da pluralidade de sentidos. Essas relações de forças (a força é sempre multiplicidade de forças) atravessam a dualidade das formas do saber (visibilidade e dizibilidade) e encontram nestas as condições de sua ação, de sua atualização. E essas formas do saber, por sua vez, adaptam-se uma à outra por “encontro forçado”, e forçado de fora por relações de forças. É o mesmo que dizer que jogos de forças intercalam-se entre o que meus olhos vêem e aquilo que minha boca diz a respeito do que vejo. Quebra-se entre ver e dizer qualquer intrínseca afinidade mútua. Quebra-se a apressada e ingênua adesão à reflexividade do corpo próprio. Ver e dizer são forçados a conviver como heterogeneidades numa pressuposição recíproca instável. Lendo Foucault, Deleuze pergunta como fica o pensar em relação ao ver e ao falar. Ver é pensar, assim como falar é pensar. Mas, o próprio pensar, diz ele, se faz no interstício, na disjunção de ver e falar, como já assinalara Blanchot; pensar não é exercício inato de uma faculdade, mas ele deve advir ao pensamento, pois, “se ver e falar são formas de exterioridade, pensar se dirige a um fora que não tem forma”, um fora que é sempre “abertura a um futuro, com o qual nada acaba porque nada começa, pois tudo se metamorfoseia” (Foucault, Paris, Minuit, 1986, p. 93, 95). Complica-se, assim, a operação originária que instala um sentido num fragmento de matéria, complica-se a abertura intracorpórea, complica-se a imanência merleau-pontyana do sentido à reflexividade do corpo próprio, complica-se minha familiaridade com o mundo, pois navego em sentidos que brotam de jogos de forças que não estão necessariamente sob meu controle. Em complicados processos de subjetivação, um si-mesmo é posto a decidir-se num problemático campo de diferenciações complexas que o invadem. Que seria decidir-se ou ser forçado a decidir-se? Virar ponto de resistência no meio das correlações de saber-poder? Pegar linhas de resistência que atravessem esta ou aquela correlação? Essas linhas de resistência são também forças que confluem cada vez mais, livres ou não de utopias, para uma variedade de aspectos que sejam favoráveis à vida. Diz Foucault: “foi a vida, muito mais do que o direito, que se tornou objeto das lutas políticas, mesmo que estas se formulem através de afirmações de direito. O direito à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessidades” (Foucault, Histoire de la sexualité, I. La volonté de savoir, Paris, Gallimard, 1976, p. 191). Pode-se dizer, seguindo o comentário de Deleuze, que essa resistência liga-se à vida como “portadora de singularidades, ‘plenitude do possível’, que não é o homem como forma de eternidade”, essa vida que tem de “passar pelas mortes que precedem o grande limite da própria morte”, essa vida que, ao passar pelo fatal “cortejo de um ‘morre-se’”, não deixa, entretanto, de “tomar seus lugares”, de suscitar acontecimentos (Foucault, p. 97, 102).

VI. Corpos sem órgãos no intensivo dos encontros.
Alerto, inicialmente, que experimento aqui uma leitura provisória e pessoal daquilo que os autores citados escreveram a respeito, de modo que não estou praticando um ato de fidelidade à cronologia da criação dos conceitos em pauta. Os interessados nessa cronologia têm hoje (desde 2003) à disposição dois interessantes “Vocabulários” de Deleuze, cada qual suficientemente inspirador num ponto ou noutro: François Zourabichvili, Le vocabulaire de Deleuze, Paris, Ellipses, 2003. R. Sasso e A. Villani (Dir.), Le vocabulaire de Gilles Deleuze, Paris, Les Cahiers de Noesis, nº 3 , 2003.

Corpo sem órgãos e vibração intensiva
Com Artaud, esse “artesão do corpo sem órgãos”, chegamos a nossa mais contemporânea linha filosófica de indagação a respeito do corpo. Mas com que direito podemos incluir a noção de corpo sem órgãos num minidesfile de idéias a respeito de corpo? Esse direito foi conquistado por um modo de pensar que, além ou aquém do jogo binário da forma e da matéria, é tomado pela experimentação do jogo aí implícito, o jogo da matéria intensiva, o jogo da matéria e das forças; trata-se de um modo de pensar interessado na diferenciação complexa constitutiva de toda e qualquer coisa. Trata-se de uma diferenciação pela qual uma forma atual (um organismo, por exemplo), implica, como seu limite imanente, virtuais diferenciações intensivas, dinamismos espaço-temporais que desestabilizam as próprias formas e linhas duras que os pressupõem.
Decorrem desse modo de pensar frases como esta, de Deleuze:
“Para além do organismo, mas também como limite do corpo vivido, há o que Artaud descobriu e nomeou: corpo sem órgãos. ‘O corpo é o corpo. Ele é único e não tem necessidade de órgãos. O corpo nunca é um organismo. Os organismos são os inimigos do corpo’. O corpo sem órgãos opõe-se menos aos órgãos do que a essa organização de órgãos chamada organismo. É um corpo intenso, intensivo. É percorrido por uma onda que traça no corpo níveis ou limiares segundo as variações de sua amplitude. O corpo não tem portanto órgãos, mas limiares ou níveis”.
Podemos dizer que a sensação, por exemplo, é um acontecimento de corpo sem órgãos, desde que a pensemos como “vibração”, que a tomemos não meramente como “qualitativa e qualificada”, mas como “realidade intensiva” que se determina não por “dados representativos”, mas por “variações alotrópicas”, variações que irrompem antes de sua captura por qualificações representativas, como quando reduzo a uma referência edipiana a “emoção vital” que circunstancialmente me abrasa. Esses acontecimentos de corpos sem órgãos levam Deleuze a pensar “toda uma vida não orgânica”, pois, se é verdade que eles “atingem o corpo através do organismo”, é também verdade que eles “ganham um alcance excessivo e espasmódico, rompendo os limites da atividade orgânica”. Por isso Deleuze pode dizer que “o organismo não é a vida”, que ele “a aprisiona”. É graças aos corpos sem órgãos, é graças a esses corpos intensivos que ele também pode dizer que “o corpo é inteiramente vivo e, todavia, não orgânico” (Deleuze, Francis Bacon – Logique de la sensation, Paris: Éd. de la Différence, 1984, p. 33).

Salientemos, de imediato, que essa caracterização implica um distanciamento filosófico em relação à descrição fenomenológica do vivido, seja ordinário ou extraordinário, mesmo porque, como “limite do corpo vivido”, como “limite imanente”, como salienta François Zourabichvili, citando Mille plateaux, pp. 186, 191, o corpo sem órgãos implica “afectos” ou “devires” absolutamente “irredutíveis aos vividos fenomenológicos”. E esses mesmos devires evitam a redução do corpo sem órgãos ao corpo próprio fenomenológico, já que eles “desfazem a interioridade do eu”, como diz ainda Zourabichvili, citando MP, pp. 194, 200 e 203.

Produtividade e desejo como princípio imanente
Sabemos também que, antes dessa caracterização, a idéia de corpo sem órgãos foi ligada por Deleuze e Guattari, em O anti-Édipo, à noção de máquinas desejantes. Perguntemos o seguinte: Como conseguiram eles reunir desejo e corpo sem órgãos? A pergunta cabe, porque uma dificuldade inicial aparece no confronto do que dizem a respeito dos dois termos quanto à idéia de produtividade. Vejamos isto:
Primeiramente, contrariando a tradição que ligava desejo à falta de objeto satisfaciente, os autores articulam os fluxos e cortes de fluxos da produção desejante ao que eles chamam de universal produção primária, esta produção na qual estão imersos homem e natureza, natureza e indústria, sociedade e natureza, de modo que essa produtividade toda vem a ser caracterizada pelo produzir sempre o produzir, pelo injetar produzir no produto, pela produção de produção, em suma. Com efeito, logo no início desse livro, os autores explicitam seu acordo com Marx a respeito da crítica às distinções formais que separam as esferas da produção, da distribuição e do consumo. O acordo consiste em afirmar que essas distinções não correspondem a esferas ou circuitos relativamente independentes: elas se interpenetram e se co-determinam como produções de um mesmo processo, “de modo que tudo é produção: produção de produções, de ações e de paixões; produções de registros, de distribuições e marcações; produções de consumos, de volúpias, de angústias e dores. Tudo é de tal modo produção que os registros são imediatamente consumidos, consumados, e os consumos são diretamente reproduzidos”. Pois bem, onde os autores inserem sua noção de desejo nesse aparato de inspiração marxista? Eis uma frase que responde a essa pergunta e que ressoa no sistema filosófico que os aproxima: “a produção como processo excede todas as categorias ideais e forma um ciclo ao qual o desejo se relaciona como princípio imanente” (L’anti Oedipe, pp. 10, 11).

Desejo na produção e corpo sem órgãos como improdutivo
Então, se o desejo se relaciona à processualidade produtiva enquanto princípio imanente, como entender que os autores reiterem que o corpo sem órgãos é o “improdutivo, o estéril, o inengendrado, o inconsumível”, podendo ser chamado também de “instinto de morte”, características estas que parecem expulsá-lo totalmente do próprio desejo enquanto relacionado à processualidade produtiva? Poderíamos responder, dizendo que a relação entre desejo e corpo sem órgãos é perfeitamente pensável do ponto de vista dos autores, dado que, segundo eles, “as máquinas desejantes só funcionam desarranjadas, desarranjando-se constantemente”, a tal ponto que “o desejo deseja também isso, a morte, pois o corpo pleno da morte é seu motor imóvel, assim como deseja a vida, pois os órgãos da vida são a working machine” (L’A-OE, 14). Concluiríamos, portanto, que a improdutividade do corpo sem órgãos é que desarranjaria o funcionamento das máquinas desejantes.
Mas essa resposta e essa conclusão pedem mais esclarecimentos. Observemos, inicialmente, como os autores explicitam o funcionamento binário das máquinas desejantes no processo produtivo. Dizem os autores:
“As máquinas desejantes são máquinas binárias, com regra binária ou regime associativo; sempre uma máquina acoplada com outra. A síntese produtiva, a produção de produção, tem uma forma conectiva: “e”, “e depois”… É que há sempre uma máquina produtora de um fluxo, e uma outra que, estando a ela conectada, opera um corte, uma extração de fluxo (o seio – a boca). E como a primeira, por sua vez, está conectada a uma outra relativamente à qual se comporta como corte ou extração, a série binária é linear em todas as direções. O desejo não pára de efetuar o acoplamento de fluxos contínuos e de objetos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz correr, flui e corta. ‘Amo tudo o que flui, mesmo o fluxo menstrual que arrasta os ovos não fecundados’…, diz Miller no seu cântico do desejo’ [ Henry Miller (1891-1980), Tropique de Câncer (1934), cap. XIII. (“… e minhas entranhas se espalham num imenso fluxo esquizofrênico, evacuação que me deixa face a face com o absoluto … ”) ] Bolsa de águas e cálculos do rim; fluxo de cabelo, fluxo de baba, fluxo de esperma, de merda ou de urina produzidos por objetos parciais e sempre cortados por outros objetos parciais que, por sua vez, produzem outros fluxos também recortados por outros objetos parciais. Todo “objeto” supõe a continuidade de um fluxo, e todo fluxo supõe a fragmentação do objeto. Sem dúvida, cada máquina-órgão interpreta o mundo inteiro segundo seu próprio fluxo, segundo a energia que flui dela: o olho interpreta tudo em termos de ver — o falar, o ouvir, o cagar, o foder… Mas sempre uma conexão se estabelece com outra máquina, numa transversal em que a primeira corta o fluxo da outra ou “vê” seu fluxo cortado pela outra” (L’A-OE, 11-12).
Pois bem, que será que esses acoplamentos de máquinas desejantes fazem de nós? Os autores respondem: “as máquinas desejantes fazem de nós um organismo”. Então, se nos limitássemos à conectividade desejosa, seríamos tão-somente organismo? Não, porque “é ainda uma característica da síntese conectiva ou produtiva”, dizem eles, “acoplar a produção à antiprodução, a um elemento de antiprodução”, elemento que é justamente o “corpo pleno sem órgãos”, aquele corpo sem órgãos que, como vimos acima, propicia ao corpo as experiências de um além do organicidade, de um além do organismo, portanto de uma vida não orgânica. Assim, retomando a dificuldade anotada anteriormente, não temos, de um lado, o corpo sem órgãos desempenhando o papel do improdutivo e, de outro, justaposto a ele, o desejo como potência produtiva. Isto é importante, mas cabe ainda a pergunta: tudo bem, mas como é que o corpo sem órgãos, esse improdutivo, co-funciona nessa produtiva conectividade desejosa? Eis uma possível resposta:
Corpo sem órgãos reinjetado na produtiva conectividade desejosa
“O corpo sem órgãos é o improdutivo; no entanto, é produzido no lugar próprio, a seu tempo, na sua síntese conectiva, como a identidade do produzir e do produto”… “O corpo sem órgãos não é o testemunho de um nada original, nem o resto de uma totalidade perdida. E, sobretudo, ele não é uma projeção: nada tem a ver com o corpo próprio ou com uma imagem do corpo. É o corpo sem imagem. Ele, o improdutivo, existe aí onde é produzido, no terceiro tempo da série binário-linear. Ele é perpetuamente re-injetado na produção” (L’A-OE, 14-15).

Retomemos esses termos: o corpo sem órgãos é um improdutivo produzido num tempo e lugar próprios em plena conectividade desejosa, mas produzido como identidade do produzir e do produto, identidade sempre re-injetada na produção. Como entender essa idéia de um improdutivo reinjetado na produção? Primeiro, em que sentido é ele improdutivo? O corpo sem órgãos é improdutivo por ser tão-somente vibração intensiva, como anotamos anteriormente na referência à passagem de Lógica da sensação. E é como vibração intensiva que os corpos sem órgãos desencadeiam desarranjos no funcionamento das máquinas desejantes. E sem essa contingente vibração intensiva, os acoplamentos das máquinas desejantes fariam de nós apenas organismos, como foi anotado. E mais: sem a eclosão dessas intensificações, o dinamismo das moleculares conexões maquínicas do desejo, o dinamismo dessas conexões que operam objetos parciais com seus fluxos e cortes de fluxos, esse dinamismo todo estaria vulnerável a forças redutoras, às forças que provocam a substituição das conexões desejosas por conjugações molares de pessoas, por representantes molares dos elementos da própria maquinação desejosa. Portanto, como improdutiva vibração intensiva, o corpo sem órgãos, em seu tempo e lugar próprios, é ocasionalmente reinjetado na produção desejante, nessa produtividade molecular sempre vulnerável a reduções molares representativas, vulnerabilidade que se nota, por exemplo, na redução da conexão maquínica boca-seio a uma conjugação mamãe-filhinho. Mas por que o desejo é assim vulnerável?
A rigor, essa vulnerabilidade é menos do próprio desejo, enquanto princípio imanente, e mais das “conexões de produção desejante”. Então, refaçamos a pergunta: por que tais conexões são vulneráveis? Porque elas, dizem Deleuze e Guattari, “obedecem a uma regra binária” que facilita a submissão delas a uma “operação biunívoca” tal que a própria produtividade desejosa é assentada “sobre representantes” molares. É como se o corte do fluxo molecular recebesse o molde de uma figura molar, de uma pessoa, por exemplo. Pois bem, quando os autores dizem que o corpo sem órgãos, enquanto vibração intensiva, “reinjeta o produzir no produto”, eles querem dizer que o corpo sem órgãos se intromete como um “terceiro termo” capaz de quebrar essa “binaridade” e de “prolongar as conexões de máquinas” desejosas, libertando-as de seus iminentes enquadramentos molares.

“Neste nível”, dizem eles, “triangulação alguma aparece reportando os objetos do desejo a pessoas globais e nem o desejo a um sujeito específico. O único sujeito é o próprio desejo sobre o corpo sem órgãos, enquanto maquina” [do verbo maquinar] “objetos parciais e fluxos, destacando e cortando uns com os outros, passando de um corpo a outro, segundo conexões e apropriações que a cada vez destroem a unidade factícia de um eu possuidor ou proprietário (sexualidade anedipiana)” (L’A-OE, p. 85-86).

Desejo como sujeito sobre o corpo sem órgãos
Como continuamos às voltas com a relação entre desejo e corpo sem órgãos, retomemos segmento desta última passagem de O anti-Édipo: “O único sujeito é o próprio desejo sobre o corpo sem órgãos, enquanto maquina objetos parciais e fluxos”… Como entender melhor essa afirmação de que o desejo ativa suas maquinações, fazendo-o “sobre” o corpo sem órgãos? Que idéia se agita sob esse ‘sobre’? Em Mil platôs, no qual os autores perguntam se o “grande livro” a respeito do corpo sem órgãos “não seria a Ética”, aprendemos que essa idéia é, antes de tudo, uma homenagem dos autores a Espinosa. Trata-se da idéia de imanência. Esse ‘sobre’ quer dizer, de imediato, que há imanência entre desejo e corpo sem órgãos. Mais precisamente, esse ‘sobre’ quer dizer que o corpo sem órgãos [eles escrevem “CsO”] “é o campo de imanência do desejo, o plano de consistência própria do desejo”, plano este no qual “o desejo se define como processo de produção”, mas um processo que, graças à vibração intensiva a que já nos referimos, ocorre “sem referência a qualquer instância exterior”, sem referência a uma “falta que viria torná-lo oco” e sem referência a um “prazer que viria preenchê-lo” (Mille plateaux, Platô 6: “Como criar para si um corpo sem órgãos?”, Paris: Minuit, 1980, pp. 191).
Mas não nos iludamos a respeito dessa relação de imanência entre desejo e corpo sem órgãos. Apesar de certas frases aparentemente maniqueístas, que podem suscitar uma ingênua compreensão dos corpos sem órgãos como salvadores das quedas molares do desejo, outras frases nos aproximam da efetiva complexidade relacional entre esses termos. Para termos uma noção disso, basta lermos dos dois blocos de passagens que anotamos a seguir:

A) Um quase maniqueísmo:
“Cada vez que o desejo é traído, amaldiçoado, arrancado de seu campo de imanência, é porque há um padre por ali. O padre lançou a tríplice maldição sobre o desejo: a da lei negativa, a da regra extrínseca, a do ideal transcendente. Virando-se para o norte, o padre diz: Desejo é falta (como não seria ele carente daquilo que deseja?). O padre operava o primeiro sacrifício, denominado castração, e todos os homens e mulheres do norte vinham enfileirar-se atrás dele, gritando em cadência: “falta, falta, é a lei comum”. Depois, voltado para o sul, o padre relacionou o desejo ao prazer. Porque existem padres hedonistas, inclusive orgásticos. O desejo aliviar-se-á no prazer, e não somente o prazer obtido para calar um momento o desejo, mas obtê-lo já é uma maneira de interrompê-lo, de descarregá-lo no próprio instante e de descarregar-se dele. O prazer-descarga: o padre opera o segundo sacrifício denominado masturbação. Depois, voltado para o leste, ele grita: O gozo é impossível, mas o impossível gozo está inscrito no desejo. Porque assim é o Ideal, em sua própria impossibilidade, “falta-de-gozo que é a vida”. O padre operava o terceiro sacrifício, fantasma ou mil e uma noites, cento e vinte dias, enquanto os homens do leste cantavam: sim, nós seremos vosso fantasma, vosso ideal e vossa impossibilidade, os vossos e os nossos também. O padre não se havia voltado para o oeste, porque sabia que esta direção estava preenchida por um plano de consistência, mas acreditava que ela estava bloqueada pelas colunas de Hércules, sem saída, não habitada pelos homens. No entanto era ali que o desejo estava escondido, o oeste era o mais curto caminho que levava ao leste, e às outras direções redescobertas ou desterritorializadas.
A figura mais recente do padre é o psicanalista com seus três princípios: Prazer, Morte e Realidade. Sem dúvida, a psicanálise mostrou que o desejo não se submetia à procriação nem mesmo à genitalidade. Foi este o seu modernismo. Mas ela conservava o essencial, encontrando inclusive novos meios para inscrever no desejo a lei negativa da falta, a regra exterior do prazer, o ideal transcendente do fantasma” Mille plateaux, Platô 6: “Como criar para si um corpo sem órgãos?”, Paris: Minuit, 1980, pp. 190-192.”

B) Revigora-se a complexidade em prol de uma consistente filosofia prática:
““O CsO é desejo, é ele e por ele que se deseja. Não somente porque ele é o plano de consistência ou o campo de imanência do desejo; mas inclusive quando cai no vazio da desestratificação brutal, ou bem na proliferação do estrato canceroso, ele permanece desejo. O desejo vai até aí:: às vezes desejar seu próprio aniquilamento, às vezes desejar aquilo que tem o poder de aniquilar. Desejo de dinheiro, desejo de exército, de polícia e de Estado, desejo-fascista, inclusive o fascismo é desejo. Há desejo toda vez que há constituição de um CsO numa relação ou em outra. Não é um problema de ideologia, mas de pura matéria, fenômeno de matéria física, biológica, psíquica, social ou cósmica. Por isto o problema material de uma esquizoanálise é o de saber se nós possuímos os meios de realizar a seleção, de separar o CsO de seus duplos: corpos vítreos vazios, corpos cancerosos, totalitários e fascistas. A prova do desejo: não denunciar os falsos desejos, mas, no desejo, distinguir o que remete à proliferação de estratos, ou bem à desestratificação demasiada violenta, e o que remete à construção do plano de consistência (vigiar inclusive em nós mesmos o fascista, e também o suicida e o demente.). O plano de consistência não é simplesmente o que é constituído por todos os CsO. Há os que ele rejeita, é ele que faz a escolha, com a máquina abstrata que o traça. E inclusive num CsO (o corpo masoquista, o corpo drogado, etc.) distinguir aquilo que é componível ou não sobre o plano. Uso fascista da droga, ou uso suicida, mas também a possibilidade de um uso em conformidade com o plano de consistência? Mesmo a paranóia: possibilidade de fazer parcialmente um tal uso? Quando colocávamos a questão de um conjunto de todos os CsO, tomados como atributos substanciais de uma substância única, era preciso, em sentido estrito, entender isso somente em relação ao plano. É ele que faz o conjunto de todos os CsO plenos selecionados (nada de conjunto positivo com os corpos vazios ou cancerosos). De que natureza é este conjunto? Unicamente lógica? Ou bem é necessário dizer que cada CsO em seu gênero produz efeitos idênticos ou análogos aos efeitos dos outros em seu próprio gênero? Aquilo que o drogado obtém, o que o masoquista obtém, poderia também ser obtido de outra maneira nas condições do plano: no extremo, drogar-se sem droga, embriagar-se com água pura, como na experimentação de Henry Miller? Ou bem ainda: trata-se de uma passagem real de substâncias, de uma continuidade intensiva de todos os CsO? Tudo é possível, sem dúvida. Nós apenas dizemos: a identidade dos efeitos, a continuidade dos gêneros, o conjunto de todos os CsO não podem ser obtidos sobre o plano de consistência senão por intermédio de uma máquina abstrata capaz de cobri-lo e mesmo de traçá-lo, de agenciamentos capazes de se ramificarem no desejo, de assumirem efetivamente os desejos, de assegurar suas conexões contínuas, suas ligações transversais. Senão os CsO do plano permanecerão separados em seu gênero, marginalizados, reduzidos aos meios disponíveis, enquanto triunfarão sobre “o outro plano” os duplos cancerosos ou esvaziados”. (MP, op. cit., pp. 203-204)..

Polarização de planos
Quando perguntamos pelo problema que está em pauta nessa complexidade, encontramos uma resposta a ser considerada. Trata-se do problema da polarização que ocorre nos processos produtivos entre movimentos extensivos do plano de organização e os movimentos intensivos do plano de imanência. Se afirmarmos a mera oposição entre esses dois pólos, entre esses “dois tipos de planos”, corremos o risco, segundo os autores, de permanecermos numa “hipótese ainda abstrata”. Por que? Porque, efetivamente, “não paramos de passar de um ao outro, por graus insensíveis e sem sabê-lo, ou sabendo só depois”; “não paramos de reconstituir um no outro, ou de extrair um do outro”. Conforme o que viermos a fazer do plano de imanência, nós o transformamos em sua negação. Com efeito, “basta afundar o plano flutuante de imanência, enterrá-lo nas profundezas da Natureza em vez de deixá-lo funcionar livremente na superfície, para que ele já passe para o outro lado, e tome o papel de um fundamento que não pode mais ser senão princípio de analogia do ponto de vista da organização, lei de continuidade do ponto de vista do desenvolvimento”. Por que isso ocorre? Justamente porque a polarização é justamente a permeabilidade de um desses planos relativamente ao outro. Eis uma passagem decisiva a esse respeito:

“É que o plano de organização ou de desenvolvimento cobre efetivamente aquilo que chamávamos de estratificação: as formas e os sujeitos, os órgãos e as funções são “estratos” ou relações entre estratos. Ao contrário, o plano, como plano de imanência, consistência ou composição, implica uma desestratificação de toda a Natureza, inclusive pelos meios os mais artificiais. O plano de consistência é o corpo sem órgãos. As puras relações de velocidade e lentidão entre partículas, tais como aparecem no plano de consistência, implicam movimentos de desterritorialização, como os puros afectos implicam um empreendimento de dessubjetivação. Mais ainda, o plano de consistência não preexiste aos movimentos de desterritorialização que o desenvolvem, às linhas de fuga que o traçam e o fazem subir à superfície, aos devires que o compõem. De modo que o plano de organização não pára de trabalhar sobre o plano de consistência, tentando sempre tapar as linhas de fuga, parar ou interromper os movimentos de desterritorialização, lastreá-los, reestratificá-los, reconstituir formas e sujeitos em profundidade. Inversamente, o plano de consistência não pára de se extrair do plano de organização, de levar partículas a fugirem para fora dos estratos, de embaralhar as formas a golpe de velocidade ou lentidão, de quebrar as funções à força de agenciamentos, de microagenciamentos. Mas, ainda aqui, quanta prudência é necessária para que o plano de consistência não se torne um puro plano de abolição, ou de morte. Para que a involução não se transforme em regressão ao indiferenciado. Não será preciso guardar um mínimo de estratos, um mínimo de formas e de funções, um mínimo de sujeito para dele extrair materiais, afectos, agenciamentos?” (MP, op. cit., Platô 10: “Devir-intenso, devir-animal, devir imperceptível”, pp. 330-331).

Algumas seqüelas para não concluir

Ao contrário do excessivo falatório presente no final da 1ª edição deste texto, eu anotarei resumidamente algumas seqüelas do que foi anotado nesta última linha de indagação interessada na idéia de corpo, linha que intitulei Corpos sem órgãos no intensivo dos encontros. Em vez de uma conclusão, anotarei algumas seqüelas, isto é, algumas conseqüências daquilo que Deleuze e Guattari me levaram a pensar mais livremente a respeito da idéia de corpo sem órgãos, conseqüências necessariamente provisórias.

1. Primeiramente, penso que os corpos sem órgãos irrompem nos encontros intensivos. Os corpos orgânicos levados por esses encontros são invadidos por ondas de intensidade variável, por afectos e perceptos, por devires que atravessam seus sentimentos e percepções, molecularizando-os em sensações as mais variáveis. Eles não estão simplesmente prontos para serem reencontrados graças a um movimento intencional meu, nem estão prontos para uso etc. Não se retorna a um corpo sem órgãos como se retorna a uma propriedade. Há criação de corpos sem órgãos nos mais disparatados encontros. Por isso, o Anti-Édipo os pensa como “superfície deslizante, opaca e tensa”, estranha superfície que permeia “máquinas-órgãos”; ou como “fluido amorfo, indiferenciado”, fluído que vaza pelos “fluxos ligados, acoplados, recortados”, um “puro fluido em estado de liberdade e sem corte”, um tremor entre aquém e além do organismo, mas que deste ainda precisa, embora com este não se confunda E no caso da linguagem, o corpo sem órgãos aparece, por exemplo, como “sopros e gritos”, estes “blocos inarticulados” que irrompem nos fluxos das “palavras fonéticas”.
2. Em segundo lugar, pergunto como ligar os corpos sem órgãos às linhas de fuga, estas pontas de desterritorialização dos agenciamentos desejosos. Se não há desejo sem pelo menos um corpo sem órgãos, se os corpos sem órgãos são pensados como re-intensificações dos encadeamentos de fluxos e cortes de fluxos desejosos, é porque eles ocorrem como imantações nas linhas de fuga, justamente as linhas pelas quais fogem os agenciamentos desejosos, essa potência dita invisível de sempre ir mais longe, de conectar qualquer coisa a qualquer outra. Criar para si corpos sem órgãos é cuidar dessas imantações, é experimentar, graças à variação dos encontros, esse entrelinhas em que as linhas de fuga encetam diferenciações, em que elas cintilam como setas de afirmações diferenciais. Por isso, os corpos sem órgãos podem oscilar desde a mais suave fluidez até o derradeiro mergulho numa intensidade vulcânica.
Talvez convenha explicitar um pouco mais essa idéia de corpos sem órgãos como singulares imantações ocorrendo entre linhas de fuga. Resumidamente, um agenciamento desejoso comporta um estado de coisas e corpos, fluxos enunciativos e linhas de fuga com suas setas multidirecionais, prontas para se dispersarem em conectividades as mais intempestivas. Pois bem, ao ocorrerem nos encontros intensivos, os corpos sem órgãos operam atiçam os fluxos, reunindo-os ou separando-os em modulações momentâneas até certo ponto identificáveis, razão pela qual se pode dizer CsO alfa ou ómega do drogado x ou y, beta ou gama do afásico ou do alucinado etc. Ora, se eu posso determinar um tipo de CsO, se eles não só deslizam por mim como posso até criá-los para mim, é porque eles são imantações momentâneas de linhas de fuga. Quando momentaneamente aglutinadas num determinado ou determinável enleamento (CsO x, y ou z), as linhas de fuga estão como que em tenso estado de lançamento, vale dizer, nem estão, de um lado, submetidas a relações funcionais ou estruturais, e nem estão, por outro lado, pura e simplesmente se dispersando numa multidirecionalidade intempestiva, embora elas retomem sempre a potência de suas pontas em seta, a potência que as insufla nos encontros. Nada impede, entretanto, que esse tenso estado de lançamento das linhas se precipite como CsO suicida. Isso indica, por outro lado, que a singularidade de um corpo sem órgãos é também determinada pelas imantações passageiras de umas linhas pelas outras por ocasião dos encontros. Passageiras imantações, repito, mas o suficiente para que se possa determinar qual é a singularidade do corpo sem órgãos que está me pegando aqui e agora. Por isso é que, interferindo nos encontros, eu posso até certo ponto participar na criação de corpos sem órgãos para mim.
3. Em terceiro lugar, a idéia de corpo sem órgãos implica um universo de cuidados éticos e estéticos, pois diz respeito às práticas que cuidam da imantação, da magnetização das linhas de fuga. A coisa é grave, porque os corpos sem órgãos ocorrem em mim, mesmo que eu deles não cuide, mesmo que eu não cuide dessas imantações. A coisa é grave porque, como pressuposto do funcionamento desejoso, o corpo sem órgãos potencializa uma conectividade desejosa por assim dizer cega, isto é, que não se guia por uma causa final, por uma finalidade, seja boa ou ruim. E seria ótimo se essa conectividade só operasse em mim em função da minha vida. Para os autores, é claro que o desejo “deseja a vida”, já que os “órgãos da vida” são justamente essas máquinas de investimento e reinvestimento do desejo. Mas acontece que o desejo pode desejar “também isso, a morte”. Por que? Porque ele pode querer confundir-se com ela enquanto nela encontrar seu próprio “motor imóvel”. O nome desse motor, ao qual a tradição aristotélica ligou Deus, é, aqui, no Anti-Édipo, “corpo pleno da morte”. Ora, este é o outro nome do “corpo pleno sem órgãos”. Pois bem, este é, precisamente, o outro nome que o Anti-Édipo reserva de forma explícita para o “instinto de morte”.
4. Por uma ardilosa experimentação intensiva
Portanto, o problema dos vínculos entre desejo e corpo sem órgãos, longe de se esgotar numa teoria a esse respeito, desemboca na questão prática de criar para si corpos sem órgãos, isto é, de cuidar das imantações das linhas de fuga. Essa pragmática do desejo é um campo de experimentação em meio a agenciamentos de desejo. Pois bem, é conhecida a pergunta que desencadeia o sexto platô de Mil Platôs: “como criar para si corpos sem órgãos?” Essa pergunta já implica uma relação ardilosa com as forças que nos atravessam, uma difícil e complexa relação ardilosa com o desejo, isto é, com aquilo que nos lança em conectividades intempestivas. A condição necessária para que seja possível uma tal experimentação ardilosa é propiciada pelo plano tecido pelas próprias imantações das linhas de fuga, pois, impedindo a pura e simples dispersão dessas linhas, operando como tensos estados de lançamento, as imantações, mesmo que provisórias, emitem sinais que nos avisam em que lance de fluências nos encontramos. Pois bem, é a esse plano de imantação que os autores dão o nome de “plano de consistência próprio do desejo” ou de “campo de imanência do desejo”. Mais ainda: esse plano é privilegiado porque somente nele, dizem os autores, é que um corpo sem órgãos “se revela pelo que é: conexão de desejos, conjunção de fluxo, contínuo de intensidades”. Portanto, graças a uma pluralidade de imantações de linhas de fuga é que posso levar a cabo minhas experimentações aquém do limite mortal.
Mas a pergunta ardilosa continua ferroando a experimentação: como fluir em corpos sem órgãos aquém do limite mortal? A questão insiste, pois, no limite do seu limite, o corpo sem órgãos (este “spatium intensivo”, esta “matéria intensa e não formada”, esta matéria “não estratificada”, esta “matriz intensiva”, esta “intensidade = 0”, esta “matéria igual à energia”, em suma, este “ovo pleno”, isto é, esta “realidade intensiva não indiferenciada”) não é suporte e nem prolongamento do “organismo”, podendo até mesmo voltar-se contra a “forma organismo”. Aí está um ponto a ser esclarecido: os corpos sem órgãos são imantações de linhas de fuga, como dissemos, são conjunções de fluxos intensivos que ocorrem, que acontecem nos encontros de corpos. Cada um desses corpos submete partes de si e do estado de coisas ao conjunto de relações que o estruturam, com o que cada órgão de cada um desses corpos funciona numa integração orgânica, funciona submetido a uma forma de organismo. Pois bem, quando, nos encontros, fluem corpos sem órgãos, temos acontecimentos, temos imantações intensivas que não redundam simplesmente numa supressão de órgãos. Numa fluência intensiva, momento em que explodem sentidos de modo algum retidos num arco intencional familiar ao corpo próprio da fenomenologia, numa imantação de linhas de fuga, em suma, os órgãos são intensificados de tal modo que se tornam, nesse entretempo aiônico, nesse entretempo de eternidade, independentes da “forma de organismo”. Os órgãos entram num disfuncionamento intensivo nessa momentânea suspensão da funcional necessidade que os liga à forma orgânica. Em vez de corpos sem órgãos, os autores prefeririam dizer corpos sem forma orgânica ou corpos transorgânicos, não porque se possa encontrar ou reencontrar corpos intensivos em cada órgão ou num conjunto de órgãos, mas porque, nas imantações intensivas, (imantações, repito, que só podem ocorrer nos encontros, de modo que criar corpos sem órgãos implica cuidar dos encontros e não simplesmente afundar-se em cada órgão), os órgãos são momentaneamente liberados da forma de organismo, das relações estruturais em que eles funcionam em consonância com necessidades vitais. Mas é justamente nisso que reside o perigo: é que as formas, quando tomadas nas fluências intensivas de corpos transorgânicos, “tornam-se contingentes”, e os órgãos viram “intensidades produzidas, fluxos, limiares, gradientes”. Enquanto o necessário implica relações que o fazem necessário, o contingente implica fluxos intensivos que o determinam como tal. Quando se diz “um olho, uma boca”, grifando-se o “artigo indefinido” (que não é um “indeterminado” e nem um “indiferenciado”), o que se está exprimindo é a “pura determinação de intensidade, a diferença intensiva”, o “condutor do desejo”, como dizem expressamente os autores.
O perigo marcado por esse indefinido está justamente na vibração intensiva que subverte a “organização dos órgãos”, a “formação de estratos”. Uma certa arte, portanto, será conveniente para que não se faça dessa subversão uma burra oposição a ser mantida a qualquer preço. Quais seriam as frentes de batalha dessa arte? Essa arte subversiva de experimentação das fluências de corpos transorgânicos começa, de modo astuto, com a proteção do próprio organismo. Com efeito, contra um “tecido canceroso” e sua expansão dominadora, por exemplo, é preciso restaurar o domínio da “regra” que visa a “sobrevivência” do próprio organismo no melhor de sua forma, mesmo porque a morte também acaba com os corpos sem órgãos que se quer experimentar. Essa arte deve dar ainda mais um passo importante: é preciso proteger o organismo contra a dimensionalização excessiva, exorbitante, de um corpo sem órgãos idiotamente voltado para a “quebra de todos os estratos orgânicos”, quando se entrega a uma “auto-destruição pura, sem outra saída além da morte”. Ora, “desfazer o organismo” nas experimentações do corpo sem órgãos, “nunca foi matar-se”, lembram os autores. Implica mais arte e astúcia “abrir o corpo para conexões que supõem todo um agenciamento, circuitos e conjunções”, abri-lo para “passagens e distribuições de intensidades”, para “territórios e desterritorializações” não meramente suicidas, a não ser que o suicídio comporte a afirmação de um último corpo sem órgãos que já não pode dispor de um corpo orgânico, justamente por estar este reduzido a uma intolerável massa de impossibilidades de se viver dignamente um resto de vida, um resto de mortes cumulativas. Finalmente, outra linha de combate dessa arte desenvolvida no agenciamento de corpos sem órgãos é a que se verifica nos problemas e lutas que atingem o próprio corpo sem órgãos na intimidade dos seus planos. É que, de repente, pode crescer o “corpo sem órgãos canceroso de um fascista em nós” ou o “corpo sem órgãos vazio de um drogado”. Isto quer dizer que somos lugares de batalhas a serem travadas na imanência, com muito cuidado e arte.
Pois bem, quando se pergunta pelos agenciamentos a serem compostos nessas lutas, quando se pergunta pelos agenciamentos que possam salvaguardar uma difícil e dinâmica pressuposição recíproca entre a criação de articulações intensivas dos corpos sem órgãos e a condução do organismo no melhor dos seus estados de funcionamento, a resposta dos autores aciona um velho nome, defletindo-o: “prudência”. Prudência como difícil “arte” dos encontros intensivos e saudáveis; a arte de fazer de cada corpo sem órgãos o “lugar de uma variação intensiva”, como diz Jean-Clet Martin, aquém do aniquilamento (Martin, Jean-Clet, Variations – La philosophie de Gilles Deleuze, Payot, Paris, 1993, p.50). Quando se fala em agenciamentos desejosos, pode-se cair na substituição da pergunta interessada nos CsO (enquanto modos de magnetização de linhas de fuga) pela exacerbação de práticas e interpretações que assentam as linhas de fuga desejosas em linhas de segmentaridade dura que estruturam prazeres. Pois bem, a prudência diferencial deleuze-guattariana opera como experimentação entre linhas de fuga e corpos sem órgãos, vale dizer, na imanência com o desejo, ao passo que a prudência mediana, moralista, opera como decisão entre os prazeres e a transcendência normativa.
Prudência como arte das “linhas de experimentações” a serem feitas com “precaução”, a serem construídas “fluxo por fluxo e segmento por segmento”, dosando-se pressas e esperas, alianças e desenlaces. Essa prudência pede que seja ela própria ritmada e redesenhada a cada problema vindo à pauta, a cada problema que se imponha tanto às fluências do corpo sem órgãos quanto ao funcionamento dos órgãos. Entrevê-se, nesse ponto, o quanto a arte das experimentações prudentes implica uma arte dos problemas, uma complexa apreensão do problemático, pois é este que já atua na trama que tece a comunicação entre os próprios corpos sem órgãos. Esses corpos são extremamente vulneráveis ao nomadismo dos problemas, nomadismo já tão conhecido pelos corpos com órgãos, mas que estes são tentados a disciplinar em conformidade com uma hierarquização que lhes chega das formas de saber e das relações de forças que caracterizam os poderes. É possível que as trocas intensivas que vazam entre eles sejam marcadas por sintonias e disparidades entre problemas que neles se contraem. Essa possibilidade é conceitualmente pensável no campo dessa filosofia da diferença, dado que as intensidades, sendo “constituídas por diferenças que remetem a outras diferenças” (Deleuze, Différence et répétition, Paris, PUF, 1968, p. 155) , implicam o problemático enquanto elo que se faz e se desfaz nas próprias diferenças. É uma radical abertura ao problemático, o que equivale a explorar virtualidades, a virtualizar, portanto, que talvez possa evitar a redução dessa arte interrogativa da prudência a um repertório de virtudes medianas do bom senso. Se praticarmos essa redução virtuosa, estaremos contrariando a vocação crítica da idéia de corpo sem órgãos, e isso não só em relação à forma-organismo como também em relação à organização das faculdades através do seu ancoradouro no senso comum, ancoradouro que Deleuze tanto critica ao tratar da idéia de imagem do pensamento nos mais variados pontos de sua obra. O CsO, no caso das faculdades , pode ser tomado como uma “onda inorgânica”, no dizer de Jean-Clet Martin (Variations – La philosophie de Gilles Deleuze, Paris, Payot, 1993, p.49-50), essa onda “que não passa entre duas faculdades sem as desterritorializar mutuamente”.
Continuamos insistindo na pergunta pelas condições necessárias e suficientes de uma ardilosa experimentação intensiva, porque a própria vida é que aí está correndo riscos nas relações dos corpos orgânicos e nas vagas intensivas de corpos sem órgãos. Organicidade e transorganicidade, ambas pressupõem a vida, mas nenhuma deixa de fazer com ela jogos perigosos: a primeira, por força de relações que impõem à vida monstruosos aniquilamentos; a segunda, porque não deixa de fazer com a vida o também perigoso jogo criativo de um desejo consumindo a si próprio, o jogo de uma intensidade que grita ou chora na intempestiva explosão de limites além dos quais o que havia de vida já não se reencontra. A rigor, volto a dizer que quem continua ganhando nisso tudo e proliferando cada vez mais é o impulso das questões do viver, dos problemas da existência sulcada por linhas de diferenciação complexa, linhas que a colocam agora, em nossa modernidade, em perspectivas de ilimitação, sem que nos seja dada de antemão a segura imagem do que seremos, restando-nos tão-somente encarar aquilo que deve ser necessário e suficiente: o combate no próprio meio, no aqui-e-agora em que se decide a proliferação dos modos de existência, o combate no meio das causas eficientes, onde a vida pode lançar interferências e cavar saídas na versatilidade do intolerável, um combate que é sempre duplo, lembra Deleuze: combate contra o intolerável, sim, mas também um combate entre si, este combate em que fazemos guerrilha para que nós mesmos nos aliemos a forças que inibam nossa própria adesão a Potências transcendentes.
Fim provisório das seqüelas.

Agosto de 2007

Bibliografia sumária:

Além de algumas obras e textos já referidos, segue uma pequena bibliografia a respeito dos itens 4 a 6 desse minidesfile de corporeidades:
Merleau-Ponty, Maurice, La structure du comportement, Paris, PUF, 1942. (Há tr.: A estrutura do comportamento, tr.br. de José de Anchieta Corrêa, BH, Interlivros,1975).
__Phénoménologie de la perception, Paris, Gallimard, 1945. (Primeira parte: O Corpo). Há tr.: Fenomenologia da percepção, tr.br. de Reginaldo di Piero, RJ, Liv.Bastos, 1971.
__. L’oeil et l’esprit, Paris, Gallimard, 1963. (Há tr. br. de N. Aguilar : O olho e o espírito, SP, Abril,1975).
__. Le visible et l’invisible, Paris, Gallimard, 1964.

Foucault, Michel. Surveiller et punir, Paris, Gallimard, 1975. (Especialmente Parte III. Disciplina). Há tr.: Vigiar e punir, Petrópolis, Vozes, 1978.
__L’archéologie du savoir, Paris, Gallimard, 1969. (Há tr.br.: A arqueologia do saber, Petrópolis, Vozes, 1972).
__.Histoire de la sexualité (vols.1,2 e3), Paris, Gallimard, 1976, 1984. (Há tr. br.: RJ,Graal).
__.Microfísica do poder, org. e tr. por Roberto Machado, RJ, Graal, 1979.
__.A verdade e as formas jurídicas, RJ, DIE,PUC, 1979.

Deleuze, Gilles, L’Anti Oedipe, Paris, Minuit, 1972. (Há tr.: O anti-Édipo, tr.br. de Georges Lamazière, RJ, Imago, 1976).
Deleuze, G., Francis Bacon – Logique de la sensation I e II, Paris, Éd. de la Différence (1981), 2ª ed. aumentada : 1984.
__.Le Pli. Leibniz et le baroque, Paris, Minuit, 1988. (Há tr.: A dobra. Leibniz e o barroco, tr. br. de Luiz B.L.Orlandi, Campinas, Papirus, Campinas, Papirus, 1991 para a 1ª ed. e 2000 para a 2ª ed.).
__Foucault, Paris, Minuit, 1986. (Há tr. Foucault, tr. port. de José Carlos Rodrigues, Lisboa, Vega, 1987; há tr. br. de Claudia Sant’Ana Martins, SP, Brasiliense, 1988).
__“Désir et plaisir”, Magazine littéraire (“Foucault aujourd’hui”), no 325, out. de 1994, pp. 59-65. (“Desejo e prazer”, tr. br. de Luiz B.L.Orlandi, Cadernos de subjetividade, nº especial, junho de 1996, São Paulo, PUC-SP, pp. 15-25).

Deleuze, Gilles e Guattari, Félix. Mille plateaux, Paris, Minuit, 1980. (Especialmente Platô no.6. (Há tr. br. em cinco volumes pela Ed.34).
Guattari, L’insconscient machinique – essais de schizo-analyse, Paris, Recherches, 1979.
Guattari, F..Caosmose – Um novo paradigma estético, RJ, Ed.34, 1992.
Outras referências:
Maurice Merleau-Ponty, número especial de Esprit, juin 1982.
Donzelot, Jacques. A polícia das famílias, tr.br. de M.T.da Costa Alburquerque, RJ, Graal, 1980.
Dreyfus,H. e Rabinow,P..Michel Foucault: un parcours philosophique, Paris Gallimard, 1984.
Goldstein, Jan (org.). Foucault and the writing of history, Cambridge/Oxford, Blackwell,1994.
Virilio, Paul. O espaço crítico, tr. br. de Paulo Roberto Pires, RJ, Ed.34, 1993.
Varela, Fr., Thompson, E. e Rosch, El..L’inscription corporelle de l’esprit, Paris, Seuil, 1993.
Guattari e S. Rolnik, Cartografias do desejo, Petrópolis, Vozes, 1986.
Gil, José, Fernando Pessoa ou La métaphysique des sensations, Paris, Éd. de la Différence, 1988.
Rolnik, Suely, Cartografia sentimental, SP, Estação Liberdade, 1989.
Pelbart, Peter Pál, Da clausura do fora ao fora da clausura, SP, Brasiliense, 1989.
Martin, Jean-Clet, Variations – La philosophie de Gilles Deleuze, Payot, Paris, 1993.
Monzani, Luiz Roberto. Desejo e prazer na idade moderna, Campinas, Ed.Unicamp, 1995.
Lévy, Pierre, Qu’est-ce que le virtuel ?, Paris, Éd. de la Découverte, 1995.
Alliez, Eric (Dir.), Gilles Deleuze – une vie philosophique, Paris, Le Plessis-Robinson – PUF, 1998 . (Há tr. br. coordenada por Ana Lúcia de Oliveira, SP, Ed.34, 2000).
Kastrup, Virgínia, A invenção de si e do mundo – uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, Campinas, Papirus, 1999.
Daniel Lins, Antonin Artaud – O artesão do corpo sem órgãos, RJ, Relume Dumará, 1999.
D. Lins, S. Gadelha e A. Veras (Org.), Nietzsche e Deleuze – Intensidade e paixão, RJ, Relume Dumará, 2000.
Pelbart, P.P., A vertigem por um fio, SP, Iluminuras, 2000.
Vários Autores, Os sentidos da paixão, SP, C. das Letras, 1987.
Vários Autores, O desejo, SP, C. das Letras, 1990.
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