David Lapoujade: (…) Que o cérebro não seja mais capturado nos encadeamentos de imagens e de linguagem das sociedades de controle, que introduza cortes irracionais, reencadeamentos a partir desses cortes, movimentos aberrantes, em suma, para se liberar de sua submissão maquínica. Então o cérebro se torna como que o órgão do fora ou a “membrana do fora e do dentro”. Talvez seja dessa maneira, em última análise, que a mônada possa reconquistar aquilo de que é constantemente despossuída: recriar um corpo, um pensamento, uma fala, liberar um cérebro de sua submissão e recriar assim o vínculo do “homem” com “o mundo” que os processos de sujeição e de submissão da axiomática romperam (…)

  Os movimentos aberrantes.

É o cérebro que diz eu, mas eu é um outro. É o cérebro que pensa e não o homem (forma-homem). Não é de se surpreender que o cérebro, tratado como objeto constituído da ciência, só possa ser um órgão de formação e de comunicação da opinião: e que as conexões graduais e as integrações centradas permanecem sob o modelo estreito da recognicão (gnosias e praxias, ” é um cubo”, “é um lapis”…), e que a biologia do cérebro se alinhe com os mesmos postulados da lógica mais obstinada

A noção além-do-homem de cérebro em O que é a filosofia de Deleuze e Guattari.   (Recolha de fragmentos)   Pensar sem principios, na ausência de Deus, na ausência do próprio homem, tornou-se a tarefa perigosa de uma criança-jogadora que destrona o velho Mestre do jogo e que introduz os incompossíveis no próprio mundo estilhaçado... Continuar Lendo →

Regina Favre: Tecelagem neuro-motora e abdicação das forças narcísicas que nos dominam. Cooperar não é apenas um princípio ético.

Se nos dedicarmos a compreender a continuidade autopoiética de cada corpo como uma tecelagem neuro-motora de comportamentos e modos de contenção da continuidade dos processos formativos de si mais modos de conexão com os fluxos ambientais, poderemos manejar melhor e mais finamente nossa presença no mundo. O sentimento de ser parte de redes maiores que... Continuar Lendo →

Franco Berardi (Bifo) – Quinze anos depois de Gênova (trechos em português)

Texto completo em espanhol: http://www.eldiario.es/interferencias/Berardi-Barroso-Bouhlel-Quince-Genova_6_540056018.html# Texto completo em italiano: http://www.deriveapprodi.org/2016/07/tra-barroso-e-bouhlel/   “(...) o domínio neoliberal que garantiu um equilíbrio de poder a escala global está ruindo, e a guerra civil fragmentária se expande por todos os cantos do planeta, envolvendo até os Estados Unidos, onde a vasta proliferação de armas alimenta uma matança cotidiana na... Continuar Lendo →

Tchekhov – Eduardo Coutinho (link para o filme completo abaixo). Virginia Woolf: Nossas primeiras impressões de Tchekhov não são de simplicidade, mas de estupefação. ‘Qual o sentido disto e por que ele faz disto uma história?’, nós nos perguntamos, enquanto lemos um conto após outro. Um homem se apaixona por uma mulher casada, eles se separam, eles se encontram e no fim são deixados conversando sobre sua posição e sobre por que meios eles podem se livrar ”desta intolerável prisão”.“‘Como? Como?’ perguntou ele, apertando a cabeça. … E parecia que dali a pouco a solução seria encontrada e então começaria uma vida nova e esplêndida.” O final é este. Um empregado do correio conduz um estudante à estação e durante todo o caminho o estudante tenta fazer o empregado conversar, mas ele permanece em silêncio. De repente o empregado diz, inesperadamente, “É contra o regulamento levar quem quer que seja com o correio.” E ele caminha para cima e para baixo na plataforma, com uma aparência de raiva no rosto. “Com quem ele estava zangado? Era com as pessoas, com a pobreza, com as noites de outono?” Novamente, termina o conto. ‘Mas é este o final?’, perguntamos. Temos antes a impressão de que negligenciamos os sinais; ou é como se uma melodia tivesse se acabado antes que os acordes esperados a encerrassem. Estes contos são inconclusivos, dizemos, e daí passamos a estruturar uma crítica baseada no pressuposto de que os contos deveriam se concluir de um modo que reconheçamos. Ao fazê-lo, levantamos a questão sobre nossa própria aptidão como leitores. Onde a melodia é familiar e o final empático — amantes unidos, vilões desbaratados, intrigas reveladas — como na mais vitoriana ficção, mal podemos nos enganar, mas onde a melodia não é familiar e o final é uma nota de interrogação ou meramente a informação de que eles continuaram conversando, como é com Tchekhov, precisamos de um senso de literatura muito ousado e atento para nos fazer ouvir a melodia e em particular aquelas últimas notas que completam a harmonia. Provavelmente temos que ler muitos e muitos contos até sentirmos (e a sensação é essencial para nossa satisfação) que conseguimos juntar as partes e que Tchekhov não estava simplesmente divagando de forma desconexa, mas tocou ora esta nota, ora aquela, com certa intenção, a fim de completar seu sentido. Temos que buscar em torno a fim de descobrirmos onde exatamente entra a ênfase nestes estranhos contos. As próprias palavras de Tchekhov nos dão uma pista na direção correta. “… uma conversa tal como esta entre nós,” diz ele, “teria sido impensável para nossos pais. À noite eles não conversavam, mas dormiam profundamente; nós, nossa geração, dormimos mal, estamos agitados, mas falamos muito e estamos sempre tentando decidir se estamos certos ou não.” Nossa literatura de sátira social e de fineza psicológica brotam ambas deste sono agitado, desta conversa incessante; mas, afinal de contas, há uma enorme diferença entre Tchekhov e Henry James, entre Tchekhov e Bernard Shaw. Obviamente – mas de onde vem ela? Também Tchekhov está consciente dos males e injustiças do estado social; a condição dos camponeses o estarrece, mas o zelo do reformador não é o seu — não é este o sinal para pararmos. A mente lhe interessa enormemente; ele é um sutil e delicadíssimo analista das relações humanas. Mas, de novo, não; o final não está lá. Será porque ele está interessado primeiramente não na relação da alma com outras almas, mas na relação da alma com a saúde — na relação da alma com a bondade? Estes contos estão sempre nos mostrando alguma afetação, pose e insinceridade. Alguma mulher entrou em uma relação falsa; algum homem foi pervertido pela desumanidade de suas circunstâncias. A alma está doente; a alma está curada; a alma não está curada. Estes são os pontos de empatia de seus contos. Depois que o olho se acostuma a essas nuances, metade das “conclusões” da ficção desaparecem no puro ar; elas mostram como que transparências com uma luz por trás de si — espalhafatosa, berrante, superficial. A arrumação geral do último capítulo, o casamento, a morte, a afirmação de valores tão sonoramente trombeteada, tão pesadamente sublinhada, tornam-se do tipo mais rudimentar. Nada é resolvido, sentimos; nada é reunido da forma correta. Por outro lado, o método que primeiro parece tão casual, inconclusivo e ocupado com ninharias, agora parece ser o resultado de um gosto requintadamente original e caprichoso, escolhendo de forma ousada, dispondo de forma infalível e controlado por uma honestidade para a qual só podemos encontrar páreo entre os próprios russos. Pode não haver resposta para estas perguntas, mas, ao mesmo tempo, não manipulemos nunca a evidência de modo a produzirmos algo de conveniente, decoroso, agradável à nossa vaidade. Este pode não ser o modo de se conquistar a atenção do público; afinal de contas, eles estão acostumados a uma música mais alta, a medidas mais agressivas; mas como a melodia soou, assim ele a escreveu. Consequentemente, ao lermos estes pequenos contos sobre nada, o horizonte se amplia; a alma ganha um senso assombroso de liberdade.

https://www.youtube.com/watch?v=YVxnnLKrqw8

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