Para a conversação Comida e Humor no L.S

“Eu como a carne, como o feijão, absorvo mundos, infinitos mundos. Se fosse contabilizar o que cada um de nós comeu.”

(…) o que importa é que você tem o jogo entre as pessoas, o jogo entre as coisas, o jogo que cada um de nós, cada indivíduo faz com o outro.
Por exemplo: você chega perto de uma vaca, e você de vez em quando não pratica essa virtude que doa. Você dá comida, e de repente, meio escondido, mata a vaca e come a vaca. Claro, é tranqüilo isso, porque nós todos vivemos essa dimensão em que um tem que comer o outro. Se você não come a vaca, você vai comer a alface. É mais manso (risos). Vegetariano não escapa, porque é um jogo tal que você precisa insistir em seu próprio ser. É o conatos, ou seja, você vive e a vida mesmo que fórça, insista em viver. Viver empírico mesmo. Tem que comer. Tem que beber. Aí, no convívio humano, geral, etc. eu roubo partes do mundo e ponho sob as minhas relações constitutivas. Eu como a carne, como o feijão, absorvo mundos, infinitos mundos. Se fosse contabilizar o que cada um de nós comeu.
E sou isso. De repente eu sou prendido também, seja por tarefa pelos outros – o Jean Carlos Augusto tem me dado trabalho também. Tudo isso é um jogo de combinações de relações constitutivas. Um pega um pedaço do outro, outro pega um pedacinho… Isso existe e então harmonizar isso é um problemão, porque cada um quer, por obrigação de insistir em sua própria existência, cada um é condenado a capturar partes do mundo pra viver, então é taxativo isso. Isso ocorre também nas idéias, você ensina pra criança a linguagem, ela está comendo a linguagem, absorvendo idéias. Então você vive também esse mundo, espírito é também comilão de sabedorias disso e de tudo o que for, sem o que não há progresso científico, etc. esse é o universo em que vivemos, um universo em que o corpo é esse conjunto; ele é formado, tem uma dimensão, que é de conjuntos infinitos, compostos de partes ao infinito, em que cada corpo combina-se dificilmente um com os outros. Esse é um mundo em que você recebe cargas perigosas pra sua própria existência. É um realismo absoluto o Spinoza, ele sabe que há um perigo permanente e é esse o problema: como eu posso ainda acreditar que seja possível estabelecer uma coexistência intensiva pra melhor, e não pra pior – porque também é intensivo comer o outro. Não tem facilidade. Como é possível? Esse é um problema. Qual é o outro problema? Esse é o problema objetivo, lá do digamos, objetivo da problemática ética: nós temos que nos encontrar sem que você- Roseli (aponta para uma mulher) – pague todos os encontros daquelas mulheres daquelas quartas-feiras. Senão, você vai ser comida, seu dinheiro vai ser comido. Então é preciso haver um encontro, o qual precisa dividir os gastos.
(Trecho da transcrição da palestra ÉTICA EM DELEUZE.Transmitida pela tv cultura no programa café filosófico com Luis Benedito Lacerda Orlandi em Campinas, no dia 29 de agosto de 2008, encerrando o módulo Deleuze: uma filosofia aberta aos encontros. O vídeo está disponível no site: http://www.cpflcultura.com.br/post/cafe-filosofico-etica-em-deleuze-luiz-orlandi Transcrição de Isabel L. S. Keppler. As notas entre parênteses ao longo do texto são da transcritora, para facilitar o entendimento na leitura. )

Segundo Deleuze leitor de Espinosa, nosso corpo, quando encontra outro, pode aumentar sua potência pela destruição e absorção do corpo exterior. Fazemos isso, por exemplo, com os alimentos que nos nutrem.

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